quarta-feira, 9 de maio de 2007

Uma bela noite gelada





O frio consumia sem piedade. As pessoas nas rodas de conversa bradavam contra o frio, se uniam num apelo ao calor humano. A minha noite, ainda que em boa companhia me dizia que não seria fácil suportar a crueldade do inverno na solidão de meu quarto. Outros amigos preferiram não ir pra algum lugar, mas eu, eu precisava fazer algo por mim. A duas quadras de casa resolvi voltar, caminhar até algum lugar onde as pessoas celebrassem a chegada da estação maldita. Andei várias quadras até encontrar uma lanchonete. Lá aproveitei para matar a fome, pedi qualquer coisa e uma cerveja.
Os homens jogando baralho e conversando, possivelmente achavam estranho uma mulher ali, sentada e já com papel e caneta em punho, a cerveja e a minha solidão. Pouco me importava, já passei tão mais por tão menos que estar ali não me deixava em condição negativa alguma. Assim que comecei a escrever – um texto para a disciplina de Métodos e Pesquisa em comunicação – minha comida chegou. Pensei em parar, mas não podia naquele instante. Comia, escrevia, bebia e estava bem daquele jeito. O ambiente se tornou de repente propício demais para o meu tema: a solidão de cada um com seus pensamentos e desejos. (assim que o digitar, eu publico aqui)
Ao mesmo tempo em que eu estava completamente habituada ao lugar e já havia partido pra segunda cerveja e rumando o final do texto, pensava no quão abstrata e desordenada eu sou e o quanto ainda seria prejudicada por isso. Mas ainda assim eu me sentia bem. A verdade é que quando idealizo algumas situações, está muito distante do meu alcance torná-las realidade e por isso não me preocupo em como agir se de fato, elas acontecerem. Embora muitas vezes o clima monótono se aposse da minha vida, essas situações planejadas no imaginário se concretizam. A noite de ontem talvez, foi uma destas ocasiões. No fim, a melhor atitude a tomar é ficar de bem com aquilo que é seu próprio desejo, seu próprio estilo de “qualidade de vida”.
O certo e o errado não conhecem frio ou calor, tão menos conhecem aqueles que estão sob o seu jugo. Estar ali, aos olhos do mundo convencional podia ser errado, mas a mim me parecia pura busca por mim mesma, e isso, é certo ou errado, é bom ou é mau?
Termino o texto. A cerveja ainda gelada pela temperatura ambiente (o bar era aberto) me convidava a não parar de escrever. Nesse intervalo entre o fim de um texto e o início de qualquer outra coisa, um cigarro. Pois como diz na música, “é como num comercial de cigarros, que na verdade se esquece com uns tragos, sonho difícil de acordar”. Saiu um poeminha meia boca, com gosto de adeus àquela noite e um até a próxima ao bar. Eu queria sair dali, mas não queria estar sozinha depois disso. Queria chegar em casa e beijar o rosto quente do meu filho e dizer a ele, mesmo que dormindo, que a vida é bacana e os bares sempre são santuários. Queria vê-lo acordar no outro dia e é só assim que minhas noites sejam aonde for, são completas. Mas, falando em santuário, minha caminhada na madrugada era também de boas vindas ao Bento. Eu celebrava no meu catolicismo e religiosidade abandonados a visita do homem de deus ao Brasil.
Pago a conta. O simpático dono do bar exclama que gosto de estudar e que ele, num frio daqueles jamais pegaria uma caneta. “Olha moço, não é bem gostar de estudar e mais da metade do mundo também não estaria aqui neste bar – com uma caneta na mão – neste frio, de jeito nenhum”. Ele me olhou como quem diz “éééé, Aparício”. Na volta pra casa não foi fácil não. O vento cortava a alma de qualquer um na rua, embora eu não tenha encontrado uma alma viva sequer em todo o percurso.
A rua deserta conclamava os bêbados e vagabundos a celebra-la, mas não foi atendida. Ao meu lado se arrastavam apenas folhas secas, papéizinhos, e o único barulho existente era dos geradores de energia. Um boeiro. A água corria lá embaixo e este foi mais um efeito sonoro da minha caminhada congelante até em casa. Agora, só precisava encarar o resto da noite de sono – que foi cheia de sonhos malucos – e acordar para um novo dia. E o sol apareceu.

Um comentário:

Unknown disse...

está ficando cada vez mais difícil de conviver entre as regras da sociedade, não é?
=(