segunda-feira, 7 de maio de 2007

O bar, as jovens e a puta

Em algum lugar por ali, um maestro regia uma orquestra, um ator saía da coxia, um pandeiro tremia. Ali por perto, duas mulheres de mãos dadas, dois homens enamorados, celebravam o amor num agradável bar. Mas, muito próximas estavam duas garotas universitárias, jovens, amigas. Long Beach – com um letreiro sujo, um cheiro de pastel e olhares escrotos brindavam mulheres esdrúxulas, feias e sem classe alguma pra uma puta da Santos Andrade – era um aconchegante lugar.
Ah, sim, estas amigas estavam no Long Beach.
A cerveja gelada e convidativa celebrava talvez as vicissitudes da capital. A fumaça leve dos cigarros nublava aquele peculiar ambiente de vadiagem, desespero e rotina. Numa mesa, uma mulher se distinguia das demais – e não porque era negra – mas porque era uma bela mulher. Uma jovem, também. Cabelos trançados, aparelho nos dentes, lábios condizentes com sua raça e um corpo vestido sob uma blusa de lã, cor-de-rosa justa e curta, calça a la ginástica e botas cano alto sobre ela. Comia – a negra – um lanche. Faminta, sabe-se lá, de tantas outras coisas. Comia, ria e repentinamente dava adeus – não um adeus propriamente dito – ao local. Sozinha é que não saiu, por certo, tampouco bem acompanhada. Com vistas a todas as características da mulher, um esbaforido senhor com aspecto porco saía salivando, falando alto e a seguindo. Ah, aliás, seu nome, Bianca.
As universitárias continuavam ali, um perrengue com a segunda cerveja. Tinham horário a cumprir. Sem que aquela garrafa tivesse as derrubado, o proprietário do delicioso ambiente lhes trazia uma nova garrafa. Ninguém ali havia pedido, não ao menos fora de pensamento. “-Ele, ali, está pagando a cerveja pras moças.”
É possível imaginar o riso incontido das moças, interioranas. Oras, um homem a pagar cervejas como se elas, desinteressadas em qualquer atividade do gênero, naquele momento, fossem retribuir tal ousadia. “-Vamos chamar uma daquelas mulheres para ajudar na cerveja”, disse uma delas para a outra. “-Você está louca!”, retrucava a outra realizando parte de seus sonhos naquele clima bêbado. Nenhuma das “garotas” no bar ou do outro lado da rua condiziam com um pouco do que as estudantes precisavam para fazer aquele convite. Eis que, pouquíssimo tempo depois, Bianca, a puta destaque do bar volta, logo atrás do velho asqueroso que havia lhe acompanhado anteriormente. “Ela já fez o serviço.” “-Que rápida hein?”, comentavam as duas sabendo que havia chegado a melhor companhia para terminar aquela cerveja paga.
Perto da porta do bar, onde brincavam os filhos do dono, todos descendentes de japoneses – isolados da penumbra alcoólica – e foi ali que Bianca cochichou para a mais velha: “-Pega dois reais de catuaba pra mim, tem muito homem no bar e eu tenho vergonha”, dizia rindo-se toda. Assim que a menina japonesa ia entregar a catuaba de Bianca, as meninas pediram que ela a chamasse para sentar-se ali. Com um sorriso de alguém que está longe de ser tímida, a morena chegou e sentou. Bebeu logo uns goles de cerveja intercalados com outros da catuaba.
Aquela garota de programa sem muitos pudores demonstrava para as jovens amigas uma segurança ou talvez apenas um disfarce para suas dores. Era decidida, sabia o que queria e de quebra, até o que não queria. Ao fim da conversa, as três mais contentes do que o resto do mundo se despediram. Bianca para elas, Ana Paula para o velho que pagara as cervejas.

Um comentário:

Leonardo Silveira Handa disse...

Ainda bem que vocês colocaram em frases o momento passado. Que delícia marginal representada, não? Salve as putas, os putos, os bêbados, os bufões, os marginais, os idiossincráticos por natureza. As histórias não seriam as mesmas sem este personagens.
Amém!