quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Não há solidão na noite, não sempre

Na madrugada ela sentava-se em qualquer lugar que não lhe oferecesse mal estar. Esperava encontrar alguma boa conversa, ao menos alguém que apreciasse o momento como ela. Bebia, sem demora copos de uísque com guaraná. Gelo, nem sempre. Enquanto ficava em silêncio, apenas na companhia de sons distantes, ela mordia os lábios, arrancando a pele que insistia em lhe incomodar. Mariana não gostava da solidão, passou a enfrentá-la quando sentiu-se pior ao lado de alguém do que se estivesse só.
Naquela noite fazia frio. Um vento impiedoso e a sensação térmica que visitava os baixos graus dos termômetros. As mãos de Mariana, congeladas e com uma cor púrpura iam a boca a cada crise de tosse. Estava denunciada na cor das mãos e no peito carregado os problemas respiratórios e de circulação. Sempre lírica, Mariana acreditava que seu sangue pouco percorria suas extremidades por não vir com força do coração. Até aí, biologia. Mas Mariana sabia que de um modo ou outro seu coração estava fraco. Não a ponto de nenhuma tragédia nos hospitais da cidade, mas um sintoma de sofrimento que apenas ela, que só ela sabia sentir.
A menina continuava solitária aos goles e tragadas. Pensava sobre o que lhe haviam dito, em palavras ríspidas e medíocres, vindo deles todos que a repreendiam. A bebida não terminava no copo e Mariana refazia. Duas pedras de gelo, um grande pouco de uísque e o resto de guaraná. Sentia ali, naquela relação íntima com o copo de plástico, uma melancolia de tempos que se foram. Dos carnavais que brincava animada sem se importar com as músicas, das loucuras dos dias de folia que tinha um perfume chamado Natu Nóbilis e do quanto pensava ainda estar salva: “apenas no carnaval”. Mariana não tinha cara nem jeito de boa moça. Boa moça não era, mesmo.
Na cabeça, mil poemas que ao chegar em casa jamais lembraria. O poeta, pelo hábito de bebericar por aí deve ter a mão, facilmente papel e caneta. A sobriedade não lhe serve, mas a amnésia alcoólica acaba com sua arte. Mas Mariana não era poeta nem coisa nenhuma de que pudesse se orgulhar, nem que pudesse orgulhar àqueles que ela mais amava.
Mariana escondia nos minutos do cigarro a sua não vontade de ir embora e no tempo que passava com o copo ainda cheio nas mãos repetia a si mesma: só mais este. E mais este, e mais este, e mais este... Sem final. Ela queria tudo sem fim. O cigarro, o copo, os beijos que já dera, as noites de amor sem amor, a falta de compromisso, a conversa com uma amiga de sempre, a noite. Mariana não suportava o fim de cada coisa porque queria entender tudo naquela noite. Queria escrever um livro com cada gota do uísque, com cada fragmento de fumaça no ar.
Ah, menina levada essa. Sempre pela rua, pelos bares, pelos postos... tinha sede, tinha falta de calor das pessoas. Queria que qualquer vagabundo como ela a encontrasse ali. Paralisada, preguiçosa, satisfeita com apenas aquilo ali. Sempre encontrava alguém. Sempre ia pra casa depois de um tchau e mesmo odiando cada despedida de cada ser na face da terra, ela não era tão só assim.

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