sábado, 27 de outubro de 2007

Bienvenidos




Desde sempre, o Paraguai é um país atrativo. O comércio de importados e outras quinquilharias sempre levou Brasileiros a cruzarem a fronteira brasileira Foz do Iguaçu, no Paraná, com a de Ciudad del Leste. Isso é tão tradicional quanto encontrar o litoral de Santa Catarina invadido por hermanos paraguaios, argentinos e outros latino-americanos. Assim como também vão a Argentina, através de Barracão ou mesmo Foz, brasileiros ávidos pela boa cerveja argentina engarrafadas em litros, o doce de leite, os torrones, os alfajores, os enlatados, os tecidos e é claro, o cassino.
Mas o Paraguai vai muito além deste turismo consumista. É na Ponte da Amizade que cruzam os mais fascinantes profissionais do comércio. Logo que chegamos, cedinho numa manhã de sexta-feira, o movimento já era significante. O calor ainda não tinha mostrado suas chamas e o aspecto, visto do começo da ponte ainda não era a realidade que se encontra lá dentro.
Motocicletas velhas, carros sujos, bicicletas por toda a parte e muita gente caminhando freneticamente. Homens de calça social e camisa branca, etiquetados com crachás passavam em minutos do Brasil para o Paraguai, com hora marcada para iniciar a jornada. Montes e montes de pessoas que apuravam o passo eram, como eu, notoriamente de fora, distantes daquela realidade de fronteira.
Cruzei a ponte com uma sensação de isolamento de todo o resto daquela gente que queria comprar. Melancolicamente eu pensava no quão é ilimitado o espaço e o tempo ali. Eu estava num outro país da América Latina. Assim que finalizei a ponte, o que se abriu em minha frente foi a famosa visão do inferno que me encantou.
Ruas imundas e fedorentas, num cheiro que mistura churrasquinho grego, esgoto, mofo e urina. As paredes de todos os lugares são sujas, emboloradas, sem pintura e sempre há em algum canto um balde já cheio, onde pingam sem parar gotas de uma água marrom que eu não sei de onde vem. Nos shoppings ou nos camelôs das ruas tudo é da mesma forma. Garotos e garotas que empacotam, lacram e despacham mercadorias. Gente com mochila, sacola e mãos cheias. Gritos de ofertas, câmbio, publicidade que sai da garganta daquela gente com traços indígenas, bugres, americanos.
Há quem esteja por lazer, depois de ter tomado um belo café em algum resort de Foz do Iguaçu, há quem tenha saído de sua cidade apenas para conhecer ou para comprar por mais barato e há quem esteja lá por acaso da rotina, por trabalho. Os sacoleiros, muambeiros ou contrabandistas, como costumam ser chamados estes verdadeiros heróis da fronteira.
Brasileiros sagazes, cheios de manha e jeitinho. Certos ou errados, não me importa. Estão numa luta diária que faz chegar até nossas mãos produtos sonhados por nós. Homens e mulheres que entram e saem de becos cheirando a mijo como se estivessem num labirinto, mas que sabem muito bem o caminho para sair e voltar quantas vezes for necessário. É calor. O suor está em todos os corpos que circulam ali. Os cabelos desarrumados em meio a tantas coisas pra carregar e pensar no preço, na qualidade, na garantia e em como passar pela aduana.
Todas as relações no Paraguai parecem ser de negócio, de troca, de disputa, de esperteza. Os imigrantes do Oriente Médio são simpáticos, porém não vacilam em descontos. Oferecem o produto e baixam muito pouco o valor. As mulheres com turbantes pelas ruas, exibem anéis, brincos e colares de ouro. Ishalá!
Os nipo-brasileiros podem ser encontrados mais nas lojas de eletrônicos, mais reservados. Os brasileiros estão vendendo em todas as lojas de todas as coisas, mas pensam em dólar. Esses sim, sempre ajudam nos descontos. E os anfitriões disso tudo também estão em todas, falando um portunhol arranhado e cambiando, sempre!
Passar a ponte num calor infernal depois de um dia exaustivo é uma condição quase sobre-humana. O medo de perder mercadoria declarada legalmente dentro da cota de U$ 300 e de ser pego com aquelas que estão por dentro das calças, das meias, nos bolsos, na mochila. É uma tensão. Na aduana, depois da ponte, a prova de fogo é mostrar tudo o que há de certinho para o pessoal da receita federal. Porque mesmo o certo, muitas vezes não é perdoado. É preciso chegar no Brasil e vender. Lucrar, sustentar-se daquilo. O Paraguai é a mistura da sujeira, da pobreza e do consumismo, do capitalismo, da superficialidade social. Não existe resistência. Quem vai pra não comprar nada sai com algum eletrônicozinho, um perfume importado, uma lembrança, um presente pra alguém. Ao fim da viagem, alguns voltam para os resorts, vestem roupa de banho e aproveitam a piscina. Outros, enfrentam horas de viagem e barreiras policiais, algumas bem, outras mal intencionadas.

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