quinta-feira, 29 de novembro de 2007

abandono

Digo que não pense em mim, que não me procure,
que me deixe tentar fechar essa ferida que já se abriu.
Mas eu perco pra mim mesma.
Eu ligo, eu penso desesperadamente,
eu lambo essa ferida como se fosse a única dor de infinito prazer.
Porque a dor se chama você.
É uma dor de cabelos negros,
é uma dor cujo corpo já foi meu na intensa entrega do sentimento.
A dor que eu tenho tem dois dedos do pé, grudadinhos
e gargalha bem alto quando eu faço piadas sem graça.
Minha angústia é você.
É você o anjo que esqueceu de ser puro,
que desceu pra cá com desejo e sentimento
e capacidade de sentir na carne que os anjos não têm,
essa dor também,
a nossa dor.
E eu te entendo, mas te quero.
O querer tira a sua razão em me deixar,
o querer me faz ter medo e lhe deixar.
Mas eu lhe quis desde que seu corpo me apareceu crescido
e desde que você me apareceu ouvindo Chico,
não tenho pernas para sair de nós.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

As aparências enganam

Perto de onde trabalhavam operários de uma pequena cidade, morava alguém incomum. Uma mulher de meia idade, cabelos branqueando e velhos colares. Ela não era incomum por ter algum tipo de atitude decente que a fizesse diferente dos demais idiotas da redondeza. O que a fazia ser lembrada era sua mão esquerda, com apenas três dedos - seu vizinho, o pai de todos e o fura bolo - cujas unhas pintadas de esmalte prateado faziam com que ela lembrasse do triste episódio que a marcaria para sempre.
A estranha mulher fora atacada por uma cobra que tinha pernas. A cobra com pernas abocanhou seus dois dedos - o mindinho e o mata piolho - e isso fez da quase velha, uma pessoa amarga e rejeitada. Suas unhas, da mão direita estavam sempre incolores e feias, já que com apenas os três dedos - seu vizinho, o pai de todos e o fura bolo - ela não conseguia pintar de prateado as unhas. Portanto apenas os três dedos da mão esquerda tinham as unhas prateadas. Até que um gato persa apareceu em sua porta, lhe dando a atenção que ninguém dava, tudo por conta dos dois dedos - o mindinho e o mata piolho - que a cobra de duas pernas havia comido. E o gato persa lhe pintava as unhas de todos os dedos e as unhas reluziam um prata vivo, alegre... até que um dia... ao tirar o esmalte da mão com os cinco dedos, a mão direita, o gato inalou acetona e morreu, chapado, locasso. A velha ficou outra vez com cinco unhas incolores e apenas três dedos da mão esquerda com as unhas prateadas.
Já não havia mais razão para viver. Tomada pela raiva e a rejeição do mundo, a mulher de meia idade, além de ter dois dedos da mão esquerda comidos por uma cobra de duas pernas, decepou seu seio direito e passou a freqüentar um bar da cidade, onde bebia e fumava sem parar.
Um dia, chegou no bar um homem que não era como todos os babacas que sempre estavam lá ignorando aquela amargurada mulher. E ela se apaixonou, ele a amou e os dois foram felizes, mesmo ela tendo apenas três dedos na mão esquerda, com as unhas prateadas e os outros cinco dedos da mão direita, incolores e um seio decepado. Isso tudo porque o universo conspira. Os dois partilhavam da mesma dor, já que ele, o cara que não era babaca, teve o pênis abocanhado, também pela cobra de duas pernas.
Com o passar de algum tempo, o jovem senhor sem pênis descobre a veracidade do velho ditado: as aparências enganam. Sendo feia, a velha era rejeitada. Mas, não era rejeitada apenas porque era feia. Seu humor era tenebroso. Vingativa, ciumenta, manipuladora. Já não bastava a cobra ter-lhe comido o falo, agora a mulher queria arracar-lhe os bagos?
Fez-se impor: colocou veneno na comida dela, com o dinheiro que ela deixou fez um implante de pênis e casou com uma menina novinha, que pinta as unhas de rosa-claro.

Stella, Lari, Mathe, Indi e Fabi
Autores reunidos jamais serão vencidos pela lucidez deste mundo real sem graça alguma.