quarta-feira, 30 de maio de 2007

Carta ao meu nipo-amigo

Querido amigo, Leonardo Handa
O final desta manhã de quarta-feira, com alguns deveres já cumpridos no trabalho e ouvindo o último CD do IRA!, que muito me remete a você, me despertou a vontade de lhe escrever.
Seu comentário mais recente me deixou, no mínimo, feliz.
Nosso comodismo é peculiar talvez à monotonia de nossas rotinas de trabalho, estudo e algum momento de descontração com os amigos, tomando qualquer coisa alcoólica. Nosso dia-a-dia nos exige muito pouco. Nossa cômoda empresa de diplomas é, não mais que um agardável lugar onde encontramos com amigos e com raras pessoas que nos confortam com os defeitos em comum. Nosso local de trabalho, um pequeno espaço de realização parcial da profissão. Não é bem o que gostaríamos de estar fazendo, mas com um bom jogo de cintura driblamos as oito lentas horas que se passam.
É aquela coisa, estamos aí no mundo, fazendo o pequeno possível. Conseguimos discutir qualquer coisa sobre cultura, cinema e música com alguns, um trivial discurso político com outros, uma indignação na maior parte das vezes, tacanha com coisas pequenas... outro dia me deparei com uma destas: alguns alunos queriam "parar tudo" se a direção não resolvesse um impasse de formatura. A questão era que enquanto alguns que pagaram iriam estar sob os holofotes enquanto que outros que não pagaram, mas que se formariam na mesma ocasião, não apareceriam. Tudo bem, cada um com seus problemas, suas prioridades, seus princípios. Mas e a reforma universitária? E os colegas da USP que lutam pela autonomia da universidade. Ah, que bobeira, deixa pra lá. Vamos brigar pelas luzes da formatura.
Eu faço pouco, eu faço pouquíssimo pelas coisas que acredito e defendo. Sem todo o afinco do mundo tento a luta no movimento estudantil que não é feito por aqui, tento também uma discussão mais sólida sobre comunicação e me sinto, regularmente uma ridícula utópica. eu poderia desistir disso tudo. Nada me afeta mesmo. Mas é que me nutre. Preciso sentir isso tudo.
Só queria ter agora, mais tempo na faculdade. Passou tão rápido e só agora as coisas parecem fazer algum sentido. Mas como sempre, é tarde demais.
Tenho a lhe dizer que a idade é prêmio. Os anos de acúmulo, seja lá do que for são presentinhos isngelos da vida. Minha alma pede pra que eu a mantenha com o desejo de uma sexta-feira com amigos sempre vivo. Ela me diz a todo momento para que eu ensine, logo nos primeiros anos ao meu filho, coisas que dele reflitam em mim e não me deixem cair na chatice de ser adulta, de ser velha.
Estamos aí, estamos para a vida muito mais do que ela está para conosco. Mas eu ganho ânimo sabendo que sua poesia pode vir a ser e a fazer revoluções. Porque você sabe, um de meus heróis não empunhou outra arma que não fosse a poesia e a verdade em viver o que achava verdadeiro. Falo do Pablo Neruda, um baita comunista chileno que morreu angustiado pelo desgosto da deposição de um presidente, pela matança de inocentes, enfim... é a poesia a própria revolução, meu caro.

Sem mais, um forte abraço para esquentar este inverno voraz.
Larissa

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Deixemos de lado a anestesia






Já dizia Raul, “é sempre mais fácil achar que a culpa é do outro, evita o aperto de mão de um possível aliado. Convence as paredes do quarto, e dorme tranquilo, sabendo no fundo do peito que não era nada daquilo...”.
Toda a mudança é bem vinda para uns, mal vinda para os outros. Na história, do Brasil e do mundo o embate entre os ativistas e os anestesiados pelo sistema chancelou uma série de rótulos para um grupo e outro. Quem quer mudança, quer baderna. Revolucionários são utópicos e não pensam conforme a realidade. A realidade, neste caso é: a maioria não está nem aí, cada um faz por si, o dinheiro manda em tudo e pronto. Os conservadores e os apáticos rezam a cartilha da moral, do fazer “o certo”, do dançar conforme a música e a música, neste caso é ganhar o seu salário e o que mais conseguir, seja com honestidade ou não.
Há neste engôdo uma parcela absurda daqueles que vivem suas vidas sem saber quantas voltas o mundo dá a sua volta. Transitam por aí como zumbis. Estes são geralmente os que optam por isso ou os que estão a margem da informação e da formação crítica. São vilões e vítimas de uma educação engessada que funciona apenas por funcionar, de políticos viciados em votos comprados econômicamoralmente, de uma economia sufocada pelo capitalismo e a corrida pelo lucro de poucos e por uma comunicação ao estilo Rede Globo. Todos abençoados por uma religião que cega com a ditadura do pecado, do temor à deus e da santidade daqueles que não desgarram.
Falar de política aos 21 anos com avidez por mudança, isso é coisa de sonhadores. Abdicar de costumes fadados ao capitalismo é pura bobeira. Esperar que o anestesiado desperte é inocência. Fica mais fácil olhar pra si e abrir mão da luta. Olhar para a maioria e culpa-la pela ignorância, sobrecarregá-la: “Eu desisto, não adianta, ninguém vai mudar”. É reconfortante esquecer-se da própria fraqueza em prol da fraqueza da massa.
Eu não aceito que, aqueles que estão no mesmo lugar que eu, ocupando uma vaga no planeta permaneça no sono profundo da apatia. Prefiro os rótulos, prefiro a chacota, prefiro sentir o descaso do que não provoca-lo. Prefiro deixar de convencer as paredes do quarto para apertar a mão de um companheiro de luta.
Prefiro tentar a mudança.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

A Miss Brasil e o DCE FADEP


Há algumas semanas, uma tímida comissão para formação do DCE na FADEP se reúne para adotar estratégias de mobilizar os estudantes. O objetivo principal é discutir o estatuto e na sequencia dar início ao processo eleitoral e implantação efetiva do Diretório Central dos Estudantes.
Em quase quatro anos de FADEP não é a primeira vez que um grupo dos chamados "alunos revolucionários, utópicos, sonhadores" tentam a façanha.
Nas reuniões, ficou decidida a prioridade por uma campanha no estilo formoguinhas, de conscientização, de explicação a todos os estudantes. Um cronograma elaborado para que os dias de aula sejam diferentes e alguns minutos além do intervalo não prejudiquem os alunos foi colocado em todas as salas, conclamando a todos para que se envolvam, compareçam.
A agremiação de estudantes em torno de uma politização e análise do contexto é lenta e resulta minimamente. A ignorância prevalece e mesmo os acontecimentos no Brasil que provam a necessidade da luta estudantil como instrumento de mudança para toda a sociedade convence a maioria.
Na noite de ontem, quando mais uma reunião estava agendada, mais quatro colegas se juntaram a comissão do DCE enquanto no andar de cima da biblioteca acontecia um desfile com a presença de uma miss Brasil. A cantina estava cheia e todos lá desfrutavam do poder da estética e da cultura machista. É quase esmagadora a maioria que se deixa levar por pão e circo.
**foto do Erecom 2007, Curitiba.

Movimentos Sociais


O Brasil vive um momento histórico no contexto dos Movimentos Sociais. São ocupações, atos públicos e moções de apoio a estudantes, trabalhadores sem terra, sem teto, servidores públicos...

Enquanto uma proposta quer regulamentar as greves, tolhindo o direito a reivindicar, o País fervilha em diferentes cantos.


Em São Paulo a reitoria da USP está ocupada há 22 dias.

Nesta semana a federal de Alagoas aderiu a mesma ação e além de reivindicar, ocupou em apoio à USP.

Ontem o Movimento dos Atingidos por Barragens e Via Campesina ocuparam a Usina de Tucuruí, no Pará .

Na quarta-feira, aproximadamente 4,5 mil militantes dos mais diversos segmentos pararam a Paulista num protesto dos servidores públicos.

Estaradas ficam bloqueadas por sem-terras.

Fábricas param.


Não é o caos, mas sim a revolução.

A mídia desinforma, principalmente através da TV e as pessoas ainda não se deram conta de que historicamente o Brasil retorna a um quadro de insatisfação e cobrança do poder público.

São diferentes áreas, todas com o propósito de alguma mudança.


A ocupação dos estudantes da USP vai marcar para sempre como uma forma de organização em que ninguém pode encher a boca pra chamar nossos companheiros de "baderneiros". Nenhum tipo de depredação, divisão de tarefas por grupos, rodas de estudo, preparo de defesa e não ofensiva para esperar a tropa de choque.


O governo tenta minimizar a situação, a mídia tenta abafar.

O povo quer lutar.


terça-feira, 22 de maio de 2007

O proletariado passa por diversas
etapas de desenvolvimento. Sua luta contra a burguesia começa com o nascimento.
(Manifesto do Partido Comunista)

As manchetes do CMI de 21 de maio de 2007 mostram que os movimentos sociais no Brasil podem trazer a revolução!!!








segunda-feira, 21 de maio de 2007

(hiper)TENSÃO


O meu amigo, quase que de longa data é hipertenso. Ele deve ter seus, sei lá, 23 anos? Espero que seja isso. Enfim, o cara só ouve música alternativa das boas, escreve sobre orgias com os músicos e escritores que se instalam em seu quarto, bebe exageradamente e fuma cigarros mentolados. Ah! O Léo também faz coisas que o deixam meio inseguros quanto a sua sanidade. Ele, ineditamente sendo um erudito, gosta de IRA!. Eu também gosto, adoro. Mas é que eu não sou erudita. E no resumo deste descendente de japonês, aparece de repente uma hipertensão, seguida da tensão da Stella.
Ah sim, a Stella é uma erudita também (embora Lapada na Rachada, Risca Faca e outros as vezes componham seu repertório) e ela, assim como o Léo, não tem uma vida muito regrada ou saudável. É adepta de costumes a la Tia Marlene (ela fuma enquanto cozinha, por exemplo) e se veste com uma originalidade que chega a ser chique. Enfim, ela, que está tensa por conta da morte, digo, da hipertensão do Léo e quer que o Léo tenha uma vida saudável para que dure mais uns 500 anos (ela é exagerada também).
Nesses momentos, assim como ela, eu volto de um transe que me faz ignorar a morte. Passo então a pensar nela como alguém muito próxima e que quer ainda mais. Eu prefiro realmente não pensar nisto. Prefiro que a vida seja curta, como a vida das borboletas – que a Stella gosta tanto – que voam pelos lugares bonitos e mostram suas asas coloridas do que uma vida centenária, como a das tartarugas – que eu gosto tanto – que carregam peso demais nas costas e são lentas, com um aspecto sempre condenado.
Mas entre tartarugas e borboletas eu desejo que o Léo viva, com sua erudição, seus mentolados, suas cervejas e martinis e com sua (in)sanidade por quanto tempo for necessário, no tempo em que ele ainda seja capaz de sorrir nas madrugadas geladas do sudoeste ou do convidativo verão na Ilha do Mel, que por mais que eu não conheça, a vejo refletida nos olhos pequenos e quase fechados do Léo, o hipertenso Léo.

Poesia de Jonas Ferreira Bahia, militante do MST.


E como gritaria aos quatro ventos, a companheira Gabriela Caramuru:


"Ela virá, a revolução garantirá a todos o direito não somente ao pão mas tambem a poesia".



Aprenda esta lição


O que sempre levo em minha imaginação

é construir um novo modelo para nossa educação,

onde da criança até o velho aprenda esta lição

de ser um arquiteto rumo à transformação.

Carregarei sempre em minha alma

aquilo que sempre devo ensinar:

da amar sempre a natureza e a vida respeitar.

Cuidar do corpo, da alma e espírito,

é ter na mente,

um projeto de inclusão social, não matando os inocentes.

Acabar com as guerras,

que só fome e desespero,

pois pouco avalia-se o ser humano, mas muito o dinheiro.

Não sei o que vou fazer na minha imaginação,

se tento colocar minha idéia em prática, logo vem a repreensão,

e posso ser castigado, dizendo que eu estaria errado,

fazendo estas comparações, entre o sistema capitalista,

que só traz fome e injustiça e muitas perseguições

com um novo projeto de igualdade que toda humanidade

tenha educação de boa qualidade,

sabendo o que é realmente ser feliz de verdade,

vivendo todos como irmãos,

viva a nossa revolução e a nova sociedade.

Esse é apenas um projeto que guarda a minha mente,

fere o meu corpo, minha alma e espírito,

dá uma dor no peito, quero fugir, mas não tem outro jeito,

me ponho a chorar, não sei até quando meu coração vai agüentar

segurar este novo projeto de educação popular.


Jonas Ferreira Bahia, militante do MST


quarta-feira, 16 de maio de 2007

Paradoxos



Um pouco sobre Reforma Política e a Teoria da Decisão Governamental, de Francisco Carlos Duarte.



"A história do conhecimento desenvolveu-se até agora pelo silêncio em relação
aos paradoxos, pelo seu ostensivo ocultamento."

"Os paradoxos representam um problema para o observador, mas não para os
sistemas que operam com base neles."


A rosa que carregas como um agrado, seja a quem for, trata-se
de um suave paradoxo.
O paradoxo é o que acaricia e fere. Sem ele não haveria luta.
Lutamos por sermos, nós mesmos, paradoxos.



OPERE O SISTEMA!!!







terça-feira, 15 de maio de 2007


Tenho uma pandora que se chama Movimento. Ela está sempre fechada, em silêncio. Eu, insistente, abro. Aquela mesma música não me cansa porque muda. É a mesma, mas muda. Toda vez que ouço estou diferente, estou eu, mudada também mas sem ser a mesma.

Dentro da pandora Movimento tem uma bailarina que dança ao som daquela velha-nova música. A bailarina, vestida de vermelho - não de branco - se chama Luta. Quando a pandora é aberta, é tocada por mãos incessantemente a procura de ver e ouvir o Movimento, liberta a Luta para sua dança triunfal, sua exibição mais perfeita.

Pandoras são nostálgicas. Hoje em dia, não se dão mais de presente estas caixinhas de música que podem ter a forma de um piano ou de um pequeno baú. O Movimento é algo que se fazia no passado, mas que se for tocado, ainda funciona, continua.

Minha Pandora é infindável. A Luta, por vezes adormece num silêncio insuportável, as vezes necessário. A Luta revive se eu a procuro, se eu a resgato e se eu, principalmente eu, me reencanto com sua bela desenvoltura, vestida de vermelho.

Que nossas mãos abram a Pandora Movimento, que nossos olhos vejam a Bailarina Luta e que nossos ouvidos ouçam aquela música renitente que se chama Revolução.

domingo, 13 de maio de 2007

V de Vingança


“Eu, como muitos de vocês, aprecio os confortos do dia a dia. A segurança da família, a tranqüilidade da rotina, gosto disso como todo mundo. Mas no espírito da comemoração em que eventos do passado associados à morte de alguém ou do fim de uma luta terrível, são comemorados com um belo feriado pensei em marcar esse cinco de novembro um dia que, infelizmente, já foi esquecido. Aproveitando um pouco do tempo de vocês para bater um papo. Há aqueles que não querem que falemos. Desconfio que estejam dando ordens ao telefone e homens armados virão logo. Por quê? O governo pode usar a violência em vez do diálogo, mas as palavras sempre manterão seu poder. As palavras oferecem um significado e, para aqueles que ouvem a enunciação da verdade. E a verdade é que há algo terrivelmente errado com o país. Crueldade e injustiça, intolerância e opressão. Se antes você tinha liberdade de se opor e falar quando quisesse agora você tem censores e câmeras obrigando-o a se submeter. Como isso aconteceu? Quem é o culpado? Há alguns mais responsáveis que outros e eles vão arcar com as conseqüências. Mas, verdade seja dita, se procuram culpados, basta vocês se olharem no espelho. Eu sei porque vocês fizeram isso. Sei que tinham medo. Quem não teria? Guerra, terror, doença. Uma série de problemas se juntaram para corromper sua razão e afetar seu bom senso. O medo dominou vocês, e vocês recorrem ao novo alto chanceler, Adam Sutler. Ele prometeu ordem. Prometeu paz. Tudo o que você ele pediu em troca foi o consentimento silencioso. Ontem, destruí o Old Bailey para lembrar ao país e que foi esquecido. Há 400 anos, um grande cidadão quis gravar o cinco de novembro para sempre em nossa memória. Eu queria lembrar ao mundo que imparcialidade, justiça, liberdade, são mais que palavras. São perspectivas. Então, se vocês não viram nada se desconhecem os crimes deste governo, sugiro que deixem o cinco de novembro passar em branco. Mas se vocês vêem o que eu vejo se sentem o que sinto e se buscam o que eu busco, peço que estejam ao meu lado, daqui um ano, na entrada do Parlamento e juntos daremos a eles um cinco de novembro que nunca, jamais será esquecido”
O povo pelo povo!

sexta-feira, 11 de maio de 2007

A solidão de uma nova minoria

O homem é só. Em todo seu contexto social o ser humano – um produto da sociedade – em seus conflitos étnicos, ideológicos e parciais se isola numa dimensão desconhecida até mesmo por seu semelhante mais íntimo. Tudo o que é coletivo, por excelência, isola cada um em suas diferenças, tornando até mesmo aquele que é popular, uma minoria.
As minorias são, historicamente os negros, as mulheres, os pobres, os homossexuais, os índios, os deficientes, comunidades descendentes de imigrantes, membros de comunidades religiosas e ciganos. A globalização e o capitalismo brutais geram uma nova massa solitária e excluída: o indivíduo. As ânsias e tudo o que é reprimido submete o homem a uma situação caótica de opressão, em que tudo ao seu redor o ignora enquanto detentor de pensamentos próprios e conflitantes com os da sociedade.
No espaço onde as relações se fazem a partir de convenções e tradições, a autonomia das ações vive uma ditadura silenciosa. Conforme Octavio Paz, cada indivíduo é único e cada indivíduo é inúmeros indivíduos que ele não conhece. Da mesma forma, toda a coletividade desconhece cada ator de seu processo.
Fechado, sem perceber, o homem convive automaticamente, deixando de lado a intensidade do que quer e transgride sua natureza. As contradições do que é e do que deve ser o fazem só. “O inferno está inteiro na minha solidão”, diz Hugo.
O inferno, por sua vez é mutável ao passo que é particular. Para uns, as leis, para outros, a subversão. As inquietudes da alma são um porão inquisidor, são elementos responsáveis – avaliadas pela sociedade – primordiais ao sufocamento dos anseios humanos.
Mas se Pascal afirma que para si mesmo o indivíduo é um soberbo paradoxo, é possível admitir que o íntimo é o Coliseu de todo o ser.
A primeira opressão é a de si mesmo, enquanto censor – formado pela conjuntura em que está inserido. Todo aquele que é consciente de sua resistência à anulação do “governo pessoal” vive o pisoteamente dos próprios pensamento, que segundo Victor Hugo, são os deuses, monstros e gigantes a quem todo o homem está entregue.

Texto escrito na lanchonete, numa madrugada destas.
Lunchtime atop a Skyscraper, 1932

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Mafalda


Breve nota de devoção

Além do Frei Galvão, agora o José Serra quer uma tal de Irmã Dulce canonizada.
Eu prefiro a santidade de Geni, rainha dos detentos, das loucas, dos lazarentos e dos moleques do internato e de quebra, beatifiquem o Chico, por favor.
Aliás, uma das quentinhas da visita de Bento XVII é a barbárie de escolher meninos bem comportados da Febem para que pudessem ver de perto o velho.
Stella (minha versão evoluída) me diz que nem lembra da existência da igreja e eu juro, vou me libertar dessa incômoda sensação claustrofóbica que os fantasminhas de batina e a corolas odiosas me causam.
Mas voltando a Geni, minha santa de devoção, é impossível que esta gentileza católica seja negada a humanidade. Alguém que dá seu corpo aos errantes, aos cegos, que vai amiúde com os velhinhos sem saúde e as viúvas sem porvir só pode ser canonizada, só!

quarta-feira, 9 de maio de 2007

O poeminha fajuto, na madrugada fria de uma lanchonete.

A noite me engole.
De qualquer forma eu sou da noite,
eu sou a noite.
a solidão não me impede,
não me repele
de sentir
de viver
de ver.
Nem o meu "não-ambiente",
tampouco meu horário a cumprir - e eu o cumpro -,
menos ainda o frio.
Eu sei, não deveria,
mas o "entre" dever e não dever me atrai.
A noite conforta minha contravenção.
O meu contraponto,
ah! o meu contraponto
habita tudo o que sou,
quem me rodeia agora, não me julga
e eles, que não me conhecem,
oferecem cumplicidade.

Uma bela noite gelada





O frio consumia sem piedade. As pessoas nas rodas de conversa bradavam contra o frio, se uniam num apelo ao calor humano. A minha noite, ainda que em boa companhia me dizia que não seria fácil suportar a crueldade do inverno na solidão de meu quarto. Outros amigos preferiram não ir pra algum lugar, mas eu, eu precisava fazer algo por mim. A duas quadras de casa resolvi voltar, caminhar até algum lugar onde as pessoas celebrassem a chegada da estação maldita. Andei várias quadras até encontrar uma lanchonete. Lá aproveitei para matar a fome, pedi qualquer coisa e uma cerveja.
Os homens jogando baralho e conversando, possivelmente achavam estranho uma mulher ali, sentada e já com papel e caneta em punho, a cerveja e a minha solidão. Pouco me importava, já passei tão mais por tão menos que estar ali não me deixava em condição negativa alguma. Assim que comecei a escrever – um texto para a disciplina de Métodos e Pesquisa em comunicação – minha comida chegou. Pensei em parar, mas não podia naquele instante. Comia, escrevia, bebia e estava bem daquele jeito. O ambiente se tornou de repente propício demais para o meu tema: a solidão de cada um com seus pensamentos e desejos. (assim que o digitar, eu publico aqui)
Ao mesmo tempo em que eu estava completamente habituada ao lugar e já havia partido pra segunda cerveja e rumando o final do texto, pensava no quão abstrata e desordenada eu sou e o quanto ainda seria prejudicada por isso. Mas ainda assim eu me sentia bem. A verdade é que quando idealizo algumas situações, está muito distante do meu alcance torná-las realidade e por isso não me preocupo em como agir se de fato, elas acontecerem. Embora muitas vezes o clima monótono se aposse da minha vida, essas situações planejadas no imaginário se concretizam. A noite de ontem talvez, foi uma destas ocasiões. No fim, a melhor atitude a tomar é ficar de bem com aquilo que é seu próprio desejo, seu próprio estilo de “qualidade de vida”.
O certo e o errado não conhecem frio ou calor, tão menos conhecem aqueles que estão sob o seu jugo. Estar ali, aos olhos do mundo convencional podia ser errado, mas a mim me parecia pura busca por mim mesma, e isso, é certo ou errado, é bom ou é mau?
Termino o texto. A cerveja ainda gelada pela temperatura ambiente (o bar era aberto) me convidava a não parar de escrever. Nesse intervalo entre o fim de um texto e o início de qualquer outra coisa, um cigarro. Pois como diz na música, “é como num comercial de cigarros, que na verdade se esquece com uns tragos, sonho difícil de acordar”. Saiu um poeminha meia boca, com gosto de adeus àquela noite e um até a próxima ao bar. Eu queria sair dali, mas não queria estar sozinha depois disso. Queria chegar em casa e beijar o rosto quente do meu filho e dizer a ele, mesmo que dormindo, que a vida é bacana e os bares sempre são santuários. Queria vê-lo acordar no outro dia e é só assim que minhas noites sejam aonde for, são completas. Mas, falando em santuário, minha caminhada na madrugada era também de boas vindas ao Bento. Eu celebrava no meu catolicismo e religiosidade abandonados a visita do homem de deus ao Brasil.
Pago a conta. O simpático dono do bar exclama que gosto de estudar e que ele, num frio daqueles jamais pegaria uma caneta. “Olha moço, não é bem gostar de estudar e mais da metade do mundo também não estaria aqui neste bar – com uma caneta na mão – neste frio, de jeito nenhum”. Ele me olhou como quem diz “éééé, Aparício”. Na volta pra casa não foi fácil não. O vento cortava a alma de qualquer um na rua, embora eu não tenha encontrado uma alma viva sequer em todo o percurso.
A rua deserta conclamava os bêbados e vagabundos a celebra-la, mas não foi atendida. Ao meu lado se arrastavam apenas folhas secas, papéizinhos, e o único barulho existente era dos geradores de energia. Um boeiro. A água corria lá embaixo e este foi mais um efeito sonoro da minha caminhada congelante até em casa. Agora, só precisava encarar o resto da noite de sono – que foi cheia de sonhos malucos – e acordar para um novo dia. E o sol apareceu.

terça-feira, 8 de maio de 2007

Terrorismo Poético



Vocês dizem amém, eu sei.

Legião de adoradores, senhores déspotas da liberdade. Da minha liberdade! Todos fiéis a nada, fiéis ao que não se vê. Peregrinos do pecado, promíscuos pastores com seus rebanhos empastados de burrice e ódio, senhores da barbárie.

É o poder pela piedade.

Terrorismo Poético sempre, senhoras e senhores.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

O bar, as jovens e a puta

Em algum lugar por ali, um maestro regia uma orquestra, um ator saía da coxia, um pandeiro tremia. Ali por perto, duas mulheres de mãos dadas, dois homens enamorados, celebravam o amor num agradável bar. Mas, muito próximas estavam duas garotas universitárias, jovens, amigas. Long Beach – com um letreiro sujo, um cheiro de pastel e olhares escrotos brindavam mulheres esdrúxulas, feias e sem classe alguma pra uma puta da Santos Andrade – era um aconchegante lugar.
Ah, sim, estas amigas estavam no Long Beach.
A cerveja gelada e convidativa celebrava talvez as vicissitudes da capital. A fumaça leve dos cigarros nublava aquele peculiar ambiente de vadiagem, desespero e rotina. Numa mesa, uma mulher se distinguia das demais – e não porque era negra – mas porque era uma bela mulher. Uma jovem, também. Cabelos trançados, aparelho nos dentes, lábios condizentes com sua raça e um corpo vestido sob uma blusa de lã, cor-de-rosa justa e curta, calça a la ginástica e botas cano alto sobre ela. Comia – a negra – um lanche. Faminta, sabe-se lá, de tantas outras coisas. Comia, ria e repentinamente dava adeus – não um adeus propriamente dito – ao local. Sozinha é que não saiu, por certo, tampouco bem acompanhada. Com vistas a todas as características da mulher, um esbaforido senhor com aspecto porco saía salivando, falando alto e a seguindo. Ah, aliás, seu nome, Bianca.
As universitárias continuavam ali, um perrengue com a segunda cerveja. Tinham horário a cumprir. Sem que aquela garrafa tivesse as derrubado, o proprietário do delicioso ambiente lhes trazia uma nova garrafa. Ninguém ali havia pedido, não ao menos fora de pensamento. “-Ele, ali, está pagando a cerveja pras moças.”
É possível imaginar o riso incontido das moças, interioranas. Oras, um homem a pagar cervejas como se elas, desinteressadas em qualquer atividade do gênero, naquele momento, fossem retribuir tal ousadia. “-Vamos chamar uma daquelas mulheres para ajudar na cerveja”, disse uma delas para a outra. “-Você está louca!”, retrucava a outra realizando parte de seus sonhos naquele clima bêbado. Nenhuma das “garotas” no bar ou do outro lado da rua condiziam com um pouco do que as estudantes precisavam para fazer aquele convite. Eis que, pouquíssimo tempo depois, Bianca, a puta destaque do bar volta, logo atrás do velho asqueroso que havia lhe acompanhado anteriormente. “Ela já fez o serviço.” “-Que rápida hein?”, comentavam as duas sabendo que havia chegado a melhor companhia para terminar aquela cerveja paga.
Perto da porta do bar, onde brincavam os filhos do dono, todos descendentes de japoneses – isolados da penumbra alcoólica – e foi ali que Bianca cochichou para a mais velha: “-Pega dois reais de catuaba pra mim, tem muito homem no bar e eu tenho vergonha”, dizia rindo-se toda. Assim que a menina japonesa ia entregar a catuaba de Bianca, as meninas pediram que ela a chamasse para sentar-se ali. Com um sorriso de alguém que está longe de ser tímida, a morena chegou e sentou. Bebeu logo uns goles de cerveja intercalados com outros da catuaba.
Aquela garota de programa sem muitos pudores demonstrava para as jovens amigas uma segurança ou talvez apenas um disfarce para suas dores. Era decidida, sabia o que queria e de quebra, até o que não queria. Ao fim da conversa, as três mais contentes do que o resto do mundo se despediram. Bianca para elas, Ana Paula para o velho que pagara as cervejas.